Este texto é
dirigido para todo leitor que se encontre vivenciando os primeiros momentos de
birra da adolescência emocional no caminho do autoconhecimento; semelhante
aquela birra de quando não queremos mais ficar morando na casa dos pais, mas
ainda não temos a autonomia financeira, muito menos psicológica para assumir a
vida por si mesmo e que se mostra um momento bastante confuso e delicado.
Para iniciar
nossa meditação, cremos ser oportuno debruçarmos sobre a questão: Será que escolhemos,
por nós mesmos, nos encontrarmos neste momento de “ordenação”? Será que
escolhemos passar por essas dificuldades emocionais, que fizeram com que começássemos
a buscar por significativas respostas para o porquê disso em que nos
encontramos? Respostas que nos esclareçam o porquê dessa crise se apresentar
apenas para nós e — ao menos pelo que parece — não fazer parte do momento
daqueles que nos cercam? Será que não tem algo ai, nos apontando que existe um
motivo real para esse tipo de “chamado”?
Com certeza,
não há nada mais desesperador do que se deparar com perguntas como estas e, de
modo algum encontrar respostas para as mesmas. Um dos grandes desesperos
iniciais que se apresenta no caminho do autoconhecimento, está justamente nessa
dificuldade de encontrar por esclarecedores ecos, os quais nos apontem um solo
firme, no qual possamos sentir no mais fundo de nós, que de modo algum estamos
perdendo a sanidade. Geralmente, o alívio para essas dúvidas iniciais acabam
sendo amenizadas, quando nos deparamos com o ambiente fértil de alguma escola
iniciática. É nelas que temos o sentimento de alívio caracterizado pela certeza
de que não estamos loucos, de que não estamos sós, de que não somos os únicos
que se deparam com desconhecidos ambientes de total escuridão, onde não raro,
nos deparamos com emoções e sentimentos distorcidos pelo tédio, pela insatisfação,
mesmice, solidão, revolta causada pelo observador ácido-melancólico e a dor do
medo do que acaba sendo visto. Encontrar por uma escola iniciática, onde nos
deparamos com uma escuta atenta, amorosa e que valide nossos sentimentos sem
qualquer sombra de julgamento ou incentivo a conformação, é que nos proporciona
aquele apoio tão necessário para a manifestação dos primeiros passos em nosso
processo de ordenação.
Esse momento
inicial traz consigo sentimentos dolorosos, repletos de confusão e
instabilidade emocional, semelhantes ao processo de retirada de algum
determinado padrão de comportamento obsessivo-compulsivo, como o álcool e as
drogas. Na realidade, o que se apresenta nestes momentos, é também um processo
de retirada de uma forma de droga: a
droga do ajustamento parental-social, a qual, igualmente a outras drogas, traz
consigo os mesmos sintomas torturantes, sendo que para as drogas socialmente
conhecidas, muitos já conhecem e validam os sintomas de tal crise, sendo mais
difícil, quando se trata do caso da pensamentose. Estamos nos abstendo de uma poderosa
droga social, cujo sistema de retroalimentação do tráfico, mantém seus pontos
bem protegidos e abastecidos, em todos os locais por onde mantemos contato. A
droga social, a droga cultural, a droga da tradição está ai para quem quiser,
sendo a droga de mais fácil e barato acesso. O acesso é quase que de graça,
porém, não apresenta nenhuma graça e, como nas demais drogas, o que nos apresenta
é tão somente um pesado colar de desgraças, o qual nos faz andar de modo
cabisbaixo pelos ilusórios caminhos da aceitabilidade social.
Como nas
demais drogas, a pensamentose apresenta sintomas mentais, emocionais e físicos,
entre eles o tédio, a raiva, o medo, a angústia, os dolorosos sintomas
psicossomáticos... Os nervos travados, a lombalgia, os ombros tensos, os
problemas estomacais, as alergias na pele, a queda dos cabelos, a pressão na
cabeça, a enxaqueca, a solidão... Não a solidão física — se bem que geralmente
acaba ocorrendo —, mas a solidão psíquica, de não ter pessoas que entendem e
comunguem de tal estado de espírito, os quais sentimos no mais fundo de nossas vísceras
sem ter a menor compreensão dos mesmos, o que torna ainda mais difícil a
compreensão por parte das demais pessoas.
Outro ponto
que acaba nos afetando demais nessa fase inicial de ordenação do processo de
autoconhecimento, está na manifestação de uma profunda sensibilidade
energética, com sua alergia psíquica e a resultante emotiva ressaca
psicossomática. Para alguns, talvez, essa afirmação acabe soando com ares de
misticismo, caso ainda não tenham com elas se deparado, uma vez que a mente
lógica cartesiana só acredita em coisas que lhe sejam palpáveis; não acredita
que somos um campo de energia sutil. Pegamos de modo muito fácil — e quase
sempre de maneira inconsciente —, a carga energética, tanto dos ambientes como
das pessoas que neles se encontram. Então, se não estamos atentos, é natural
nos “embolarmos” nessa pesada e desestabilizadora energia, a qual clama pela retroalimentação
de instintos há muito degenerados, e que depois de indevidamente nutridos, não
sabemos o que fazer com seus resultados. Aqui também acabamos sofrendo outro
tipo de conflito, proveniente da influência daqueles que nos são
psicologicamente significativos e que, por desconhecerem por completo a
natureza daquilo que nos aflige, de modo algum aceitam a presente e emergente
necessidade de retiro, isolamento e solidão, a qual nos vemos momentaneamente acometidos.
Por mais que tentemos explicar, nossas
palavras soam como um idioma totalmente desconhecido para estes e, não raro,
tudo o que dizemos — como na famosa Lei de Miranda, tão citada nos filmes hollywoodianos
—, em seu devido tempo, acabam sempre sendo usados contra nós, o que faz com
que na maior parte das vezes, devido a nossa imaturidade, acabemos mergulhados
no fétido pântano da raiva ilusoriamente justificada ou da autopiedade.
Outra questão
recorrente no início do processo é muito bem apresentada numa cena do filme “O Último Samurai”, onde o personagem principal
— Capitão Nathan Algren — interpretado pelo ator Tom Cruise, ao sair numa manhã chuvosa para brincar com espadas
junto com um menino da aldeia, acaba sendo interrompido pelo personagem Ujio,
interpretado por Hiroyuki Sanada, o qual tenta por várias vezes retirar-lhe a espada
de madeira de suas mãos, tendo que lhe dar uma enorme surra, até deixa-lo
totalmente prostrado ao chão. Em sua birra, o Capitão Nathan Algren, por várias
vezes não se dá por rendido, tentando bravamente fazer valer sua obstinada
vontade. Essa cena se dá durante uma forte chuva, o que é uma simbologia do
processo inicial de limpeza de nossos instintos e da ordenação interior de
nossa vontade. Essa cena mostra de modo muito claro os dolorosos resultados que
surgem da nossa recusa de abrir mão de nossa obstinada vontade, a recusa de
defender os nossos desejos e condicionamentos, sem a qual não se faz possível o
estado de total rendição, aceitação e prontificação para que tenha início “um novo treinamento transcultural”, o
qual nos possibilita a revelação de nosso livre espírito “Samurai”, ou seja,
como literalmente aponta o significado desta palavra, “aquele que serve”. Em
outras palavras, sair do estado umbigóide de ser, característico da excessiva
exposição à antiga e adoentada cartilha cultural, para o sagrado exercício de
Cuidar do Ser. É aqui que a vida reencontra o seu pleno significado. Antes
disso, o que fica é muita dúvida, muitos questionamentos, muita ânsia por
respostas, as quais nos remetem a um terreno carregado de medo e ansiedade.
Como no filme, a comunicação é bastante difícil por causa da incompreensão do
novo idioma, bem como das práticas culturais. Não raro somos tomados por
impulsos suicidas. Caímos na dúvida quanto a funcionalidade dos ensinamentos.
Queremos provas da observação do que se apresenta, realmente nos possibilite
a liberdade. Como a mente é viciada em colecionar certezas emprestadas, saímos
em busca da certeza de que aqueles que nos apresentam o novo idioma do espírito
tenham de fato alcançado o livre estado de “Samurai”. Temos o nosso sono
atormentado pela desesperadora culpa de nossas ações passadas. Somos
bombardeados pelos velhos impulsos de narcotização de nossos pensamentos e
emoções. Vemo-nos solitários e trancafiados numa terra desconhecida, em meio de
desconhecidos. Diante da total impotência dos que nos cercam, vivemos a noite
escura da alma, a qual parece jamais chegar a seu fim. Nos ressentimos por não
ser “normal” como as demais pessoas; invejamos a mediocridade de suas vidas,
mesmo tendo dela consciência. Praguejamos contra o chamado e rotulamos de modo pejorativo
aqueles que tentam nos ensinar “a luta livre do esforço mental”. Não
percebemos que o lamento é a lama da mente, que nos faz patinar e nos impede de
sair do lugar. O desespero aumenta quando percebemos que não temos outra opção
a não ser dar continuidade num processo totalmente desconhecido, uma vez que já
conhecemos os ambientes das estradas anteriormente percorridas. A dúvida, que
significa estar preso entre duas vidas, grita de modo tão forte, que não
conseguimos uma escuta nem de nosso coração, nem daqueles que tentam nos
apoiar.
Neste momento
de nosso processo, o compartilhar com os demais que já se encontram há mais
tempo na jornada do autoconhecimento se faz profundamente funcional.
Compartilhar de forma franca e aberta a qualidade dos pensamentos, emoções e
sentimentos, fazem como que uma espécie de “fio terra” que ajuda a estabilizar
a nossa energia vital. Ver confirmado em seus olhos e palavras a natureza do
processo, perceber neles um estado de ser muito mais equilibrado que o nosso é
que nos dá a necessária confiança para seguir viagem. Afinal, não é nada fácil arrancar
as algemas do sistema de ilusão no qual nos vimos excessivamente expostos... Mostra-se
extremamente doloroso abrir mão dos nossos antigos valores de vitrine, sobre os
quais tivemos a nossa embotada formação... A mente tenta falar mais alto do que
a ainda fraca voz da intuição que nos pede para seguir rumo ao desconhecido. A
mente quer que continuemos na larga trilha do estabelecido, na trilha do
convencionado. Como ainda estamos muito amarrados e comprometidos com pessoas e
instituições a mente se apavora e abomina a ideia da possibilidade de investir
na estreita trilha do desconhecido.
Então, aqui é
um momento em que somos testados pra ver se realmente estamos prontos para fazer
o devido trabalho que nos possibilite receber uma “espada de cura”, espada essa
que tem sua lâmina afiada pela compreensão e transcendência dos erros do nosso passado
e pela maestria de uma nova linguagem manifesta pela disposição de servir ao Senhor
Único, mesmo que tenhamos que morrer em nome disso.
Outsider