Já estamos com mais de 12 horas de uma fraca chuva ininterrupta. O solo está bastante encharcado e a temperatura bem mais fria do que ontem.
Como de costume, acordei com vários questionamentos, já há muito feitos e ainda sem respostas. Enquanto agachado, abrindo os cadeados da loja, passou-me pela mente a seguinte pergunta:
"O que hoje seria mais importante para você?... Encontrar uma profissão mais rentável ou a resposta definitiva para essa constante inquietude interior? O que seria mais valioso?... O sucesso profissional, o poder, o reconhecimento e o prestigio dele proveniente ou um estado de bem-estar comum e bem-aventurança?"...
Sem a necessidade de muito tempo, sem a menor hesitação, muito mais rápido que o movimento da água pelo canteiro da calçada a resposta soou em meu interior:
"Claro que encontrar a resposta para esta constante e desde sempre inquietude interna!"
De que me adianta, como a grande maioria, obter um posicionamento profissional, saber gerir um departamento ou instituição financeira com inúmeros funcionários subordinados e não ser capaz de gerir com propriedade o funcionamento dos meus pensamentos-sentimentos e ficar subordinado à eles?
De que me adianta saber dar todas as respostas criativas dentro do meu local profissional, mas ter que viver recorrendo à um profissional para me dar respostas acadêmicas para meus conflitos existenciais?
De que me servem as posses, as poses e as máscaras de estabilidade se me falta a paz de mente? Será que essa paz pode ser encontrada através das posses, posições e privilégios materiais?
Absolutamente não!
No cotidiano, atrás do meu pequeno balcão, recebo pessoas financeiramente privilegiadas, abastadas, mas que vivem numa constante e, por vezes, inconsciente inquietude interior. Como mendigos emocionais buscam nas aquisições materiais, nos relacionamentos afetivos e sexuais, no acumulo de atividades e responsabilidades sociais uma insana forma de obter sentido para as suas vidas. Não se consegue ver brilho em seus olhares, muito menos aquela energia contagiante do bem-estar e bem-aventurança.
Alguns deles, apesar de já estarem bem próximos da chamada "terceira idade", ainda se iludem com reuniões semanais para estudarem "o segredo" que possa lhes possibilitar a realização dos seus adolescentes "sonhos de consumo".
Estaria o silenciar dessa inquietude no vazio saciar consumista?
Se está aí, por que para essas pessoas nunca se encerra o constante movimento do "quanto mais tem mais quer"?
Não!... Não preciso passar por isso; posso ganhar tempo aprendendo com as tristes experiências dessas pessoas. A falta de brilho em seus olhares, o hálito de cinzas em suas bocas e a profunda dificuldade de conversarem olhando diretamente em meus olhos, servem-me de luzeiro. Não existe segurança e bem-estar no modo de vida que elas levam, portanto, isso não serve para mim.
De que me adianta por um lado o sucesso profissional e material e do outro o insucesso da mediocridade nas demais áreas da minha vida?
Já há alguns minutos que a fraca chuva deu uma trégua. Já é possível ver alguns pequenos buracos na dureza do asfalto cinzento, causado pelo confronto entre o movimento delicado e constante da chuva e o apressado e ruidoso movimento dos estressados motoristas.
Há uma enorme semelhança entre a cortina feita de fio de nylon com pedrinhas brancas e azuis, pendurada no batendo da porta de entrada e a seqüência de gotículas transparentes da água da chuva no batente do sombreiro da loja.
A pequena árvore, com algumas poucas flores, parece dançar alegremente agradecida pelo frescor proporcionado pela chuva.
O movimento dos carros e pedestres aos poucos começa a se intensificar.
Talvez, para algumas pessoas acostumadas a comentários maldosos, eu possa ser visto como alguém que não tenha nem ao menos um lugar onde cair morto. No entanto, como nos dizeres de minha esposa, se eu for fiel à minha busca, quem sabe, muito em breve, eu possa ter um local onde possa cair vivo com propriedade, mesmo sem propriedades.
Inquieto em meu canto, à tudo observo...