Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

25 dezembro 2010

Aí, Noel: ivcPod!

ivcPod, arte por NJRO.

20h e alguns minutos. De banho tomado, os cachorros se encontram no quintal, à porta da sala, na expectativa de fazerem parte da ceia. Em aquecimento, a televisão sintonizada na emissora dominante, espera pela fria dificuldade de autêntica intimidade dos convidados, a qual será conjuntamente amenizada com algumas taças de bom vinho. Na circular mesa de vidro, uma colorida toalha, arranjos com cesta de pães, damascos, figos secos, castanhas, nozes e outras frutas e produtos da época. Já na mesa da cozinha, talheres e brilhantes copos de cristal, colocados como manda a etiqueta, aguardam os comensais e convivas. Abro a abarrotada geladeira e engano a fome - que não vem do estômago - com dois pedaços de bolo de carne que restou do almoço, ligeiramente esquentados no micro-ondas.

Os convidados, bem arrumados e perfumados começam a chegar. Após os cumprimentos, diante do sofá, em alto som, quem fala é a televisão, onde mesmo em noite tida como especial, os números da violência e fatais acidentes de trânsito é o que se apresenta no jornal. 

Com a chegada de todos os convidados, ornada tábua de frios e coloridos potes com pates de azeitona e berinjela dão inicio ao paradoxo coletivo de exuberante comilança, com o qual se comemora o nascimento de um possível deus, - conforme conta a história - em meio de total simplicidade. Os olhares são divididos entre a colorida mesa, a televisão e breves comentários.

Como a falta de conteúdo da novela em nada me atraí, com um conhecido desconhecido puxo o assunto da sua primeira viagem de negócios aos Estados Unidos. Na realidade, eu gostaria de perguntar a respeito de sua vida, mas, tal tipo de pergunta, com certeza teria uma resposta reduzida ao tradicional "tudo bem!" Acertei em cheio!... O assunto conseguiu quebrar a hipnose televisiva que à quase todos, até então contaminava.

Elegantemente vestido, este falou com entusiasmo sobre a "terra do consumo", a enorme loja da Epoll, as luxuosas casas de Outlet, a ostensiva quantidade de luminosos painéis eletrônicos, limusines, táxis, prédios, carros de polícia, a impossibilidade de crimes, cafés da manhã lambuzados de açucarados pães misturados com bacon, sobre as maravilhas tecnológicas de vários setores e os temores alfandegários. Apesar de já estar no Brasil, em dólares, citava o preço de tudo que havia lhe chamado a atenção. Com ar empreendedor, explicou como sai muito "mais barato e rápido" para uma empresa, ao invés de criar, com um cartão de crédito, em Nova Iorque sair às compras e ao chegar aqui, tudo copiar... Seu assunto só foi cortado após o anúncio do jantar.

Coloridas e bem servidas travessas de bacalhau ao forno, arroz, salada de rúcula agrião e manga, acompanhados com Coca-Cola Light e Vinho Lambrusco. Sou o primeiro a repetir e terminar meu prato, uma vez que nada falo. Tento participar mas não consigo; os repetidos assuntos e histórias de cachorros nada me dizem respeito. Como estes não me tocam a alma, busco o que me toca o estomago. Enquanto espero as doces iguarias, permaneço com sorriso elástico e cara de paisagem e quando os mesmos desaparecem, deles sou lembrado pelo filtro do olhar puro de uma criança, que com seus dez anos, tudo vê. Uma porção de pavê de amendoim, musse de pêssego e algumas cerejas para disfarçar o amargor da falta de intimidade e autenticidade emocional. Na varanda, com ajuda dos coloridos fogos, sou salvo da impessoalidade da mesa.

Após a troca de presentes, novo assunto pautado na exaltação ao "profissionalismo americano e seu poder de vendas", a qual, igualmente me limito a ouvir. Uma xícara de café, uns breves minutos e me despeço...

Sobre Deus, sobre o viver em comum, sobre espiritualidade, intimidade e autêntica familiaridade, nada foi colocado à mesa. E mais uma ceia se vai, e dela saio, como em ceias passadas, com o corpo nutrido, a mente passada e o espírito... faminto.

Nelson Jonas

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!