Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

15 dezembro 2007

É natal na Casa do Caminho


O dia amanheceu extremamente abafado, com a promessa de pesada chuva ao entardecer.

Já é possível perceber o clima da reta de natal pelo frenético movimento dos automóveis e pelo enorme fluxo de pessoas extremamente carentes pela escadaria do Centro Espírita Casa do Caminho. São pessoas extremamente simples, paupérrimas, de pele bastante sofrida, olhares opacos e perdidos. Não sorriem – mesmo que quisessem, na grande maioria – faltam-lhe os dentes. Não carregam bolsas da moda, mas, sacolas plásticas feitas das sacarias de farinha ou feijão. Outras carregam apenas os saquinhos plásticos com as propagandas de mercados. Sandálias de borracha bastante desgastadas pelo tempo. Cabelos grisalhos, oleosos, presos em coque. Não há a mínima preocupação com a combinação de suas vestes, apenas, se vestem.

Em grupos, eles vêm pela calçada por todos os lados, apressados, trazendo nas mãos desgastadas Xerox de documentos, juntamente com uma senha amarela, na expectativa de garantirem uma das 1.000 sextas básicas, oferecidas na véspera de natal, pela Casa do Caminho.

Neste período, vários são os carros que estacionam diante de nossa loja, descarregando os refugos dos armários de seus donos, que quase que imediatamente são expostos no bazar da casa espírita. Outros trazem doações para a formação das sextas básicas, outros, as mesmas. Vários são os olhares do "dever natalino cumprido".

Algumas senhoras, de olhares solitários e visivelmente cansadas, sentam-se na guia da calçada à sombra das poucas árvores que ainda restam em nossa rua. A grande maioria dessas pessoas fuma e, ao chegarem à soleira da escadaria do centro espírita, repetem o mesmo movimento como um ritual, atirando o restante do cigarro ainda aceso bem ao lado da pequena árvore ao lado da entrada da loja. Eles são carentes de tudo, principalmente de educação.

Seus pés são rachados e carcomidos pela ação do tempo. A grande maioria já está na terceira idade – para eles, pelo visto, nem de longe é a melhor idade. Alguns se apoiam em bengalas e a grande maioria são bem obesas. Boa parte das mulheres mais jovens, se não estão grávidas, carregam consigo de três a quatro filhos, sendo que elas vão a frente de cara amarrada, enquanto os filhos, as acompanham entre olhares perdidos e narizinhos escorrendo. É raro ver uma expressão de carinho por parte destas jovens mães. Ao olhar para essas crianças, vejo pequeninos prisioneiros em meio de adultos prisioneiros neste imenso campo de concentração: todos cumprindo pena de vida. Há uma presença física por parte da mãe, mas, total ausência emocional – a sensibilidade é quase zero. Fico me questionando como deve ser o mundo dessas crianças e o que a vida tem para lhes oferecer. O sentimento é de impotência.

Na esquina, durante o fechamento do semáforo, duas elegantes loiras, com uniformes insinuantes, tremulam bandeirolas do lançamento de um condomínio fechado há duas quadras daqui, enquanto que outras duas desfilam entre os carros distribuindo os folders coloridos do festejado lançamento para aguçar os desejos de possíveis compradores... Uma pechincha, oportunidade única: R$560.000,00, parcelado em várias vezes, com excelente sistema de segurança...

Enquanto isso, na escadaria do centro espirita, cresce a fila dos que não tem casa e nem caminho, cuja alegria de natal é receber uma sexta básica que justifique o esforço de um ano...

Bem aventurados os pobres da periferia, pois deles é a sexta básica entregue pelos moradores dos fortificados e bem protegidos condomínios de luxo.


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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!