Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

16 dezembro 2007

Assegurando o pão com o suor da insegurança

O bem-te-vi, no alto da antena de TV parece não se importar com a fraca, fria e contínua chuva da manhã.

Aprecio a sinfonia da água escorrendo pelo cano que vem de cima da cobertura da garagem, caindo hora sobre uma folha morta, hora sobre as miracemas que formam o desenho da calçada. Não me lembro nestes meus 43 anos de um dia ter me permitido o desfrute de tal sinfonia; meu déficit de atenção, causado pela constante turbulência interior do passado, nunca me permitiu observar a beleza existente nas coisas simples do cotidiano.

Ao som da água da chuva, por detrás das grades mal pintadas do portão, observo a ilusão de liberdade em que vivemos. Lindas e modernas casas formam a arquitetura local, sendo que todas, sem exceção, estão cercadas por enormes grades, cercas e sistemas de segurança com câmeras. Os muros de algumas delas são tão enormes que acabam por esconde-las. Criamos um sistema que nos promete por mais liberdade, no entanto, a cada dia que passa mais e mais nos tornamos prisioneiros do mesmo. Vivemos presos em casa, no trânsito e nos aeroportos. Quanto mais buscamos por segurança, mais sistemas de segurança precisamos para nos vermos seguros do nosso sentimento de insegurança e assim, acabamos prisioneiros de nossos próprios sistemas de segurança. E, quanto mais inseguros, mais dedicamos nosso tempo e energia em trabalhos com os quais achamos que poderemos nos sentir um dia seguros... E assim, nos tornamos prisioneiros de nosso trabalho...

Maldito seja o homem que um dia escreveu a frase "comerás o teu pão com o suor de teu rosto" e, mais maldito ainda aquele que criou a falácia de que tenha sido um possível Deus o autor de tal crença idiota. E mais maldita ainda é a própria humanidade por ter aceitado e perpetuado secularmente o raio dessa insanidade.

Não há um só dia em que pelas manhãs as maritacas não acordem – acordando a todos – com sua enorme algazarra e energia. Meu pequeno cão, Krish, logo após a primeira de uma série de espreguiçadas do dia, corre para cima de mim, fazendo festa com lambidas, acenos de cauda e desajeitados carinhos com suas patas dianteiras. E, apesar das enormes nuvens escuras, o sol está lá para secar as folhas carregadas da pequena pitangueira.

A natureza não deita suor pelos seus poros para gerar alimento, ao contrário, ela vibra. Somente o homem, por ter aceito essa patifaria ancestral é que transpira sem a menor inspiração – ele não vibra. A natureza possui leveza e não peso, enquanto que o homem, muitas vezes é um peso não somente para si mesmo, mas também para a própria natureza. A camada de ozônio, o desmatamento inconseqüente e o estado dos rios que cortam as capitais é apenas um dos seus exemplos.

Sofremos porque em algum lugar do passado, nossos ancestrais se esqueceram de que eles mesmos eram uma das mais belas manifestações da natureza. E, ao se esquecerem da relação direta com a mesma, criaram outra insanidade: a ilusão de separatividade. E criaram leis e mais leis, ditas espirituais, que não passam de estúpidos sistemas de crenças que impedem muitos de nós de gozarmos holisticamente a natureza da vida.

A natureza tem seu ritmo. Já o homem, o perdeu e ao perde-lo, de si mesmo se perdeu. E, ao se perder de si mesmo, alterou o ritmo da própria natureza. Em conseqüência, vive apressado, estressado, prisioneiro do relógio, a tal ponto de muitas vezes nem se quer ter tempo hábil para enxugar o suor do próprio rosto.

O homem brinda e comunga da vida ou, ao contrário, tão somente existe cumprindo pena de vida?

E voltando as maldições, mais maldito seja o homem que colocou no papel a sandice de que um possível Deus tenha criado o mundo em seis dias e "descansado" no sétimo dia...

Que raio de Deus é esse que se cansa com o processo de criação, o invés de vibrar? Que Deus é esse cujo processo de vida não seja um gozo?...

Com certeza, não foi Deus quem criou o homem a sua imagem e semelhança, mas sim o homem que criou esse Deus prisioneiro conforme sua própria imagem e semelhança.

O pior de tudo é que além de terem acreditado nessas tolices por séculos, hoje, muitos homens ainda fazem do tal sétimo dia de descanso, mais um dia de trabalho forçado – os shoppings centers, templos sagrados da religião do consumo que o digam.

A cada dia que passa, estamos sendo mais e mais distanciados da natureza e de nós mesmos dentro destas enormes selvas de pedra e cimento armado. Cada vez mais nos vemos em jaulas nos protegendo de nós mesmos. Cada vez mais somos prisioneiros do "fast", do "delivery" e do "virtual". Cada vez mais somos prisioneiros da pressa...

A pressa não é inimiga da perfeição, mas sim, do homem.

E o trabalho, não dignifica o homem, mas sim, o escraviza: o homem por sua própria natureza já é digno. E, por acreditar nessa crença de necessitar de um trabalho para ser realmente digno, por vezes, acaba vendendo aquilo que chama de alma.

O que vibra hoje é o trabalho sobre o olhar da pressa e de preferência, terceirizado, globalizado. Nos dias de hoje, cada vez mais o trabalho com alma é uma qualidade de ser, que se encontra em extinção. E é por essas e outras que o homem dito civilizado continua a propagar a maldição da crença de ter que conseguir as migalhas de seus alimentos, com o suor de seu rosto correndo atrás de prateleiras em promoção nos supermercados da vida.

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Pão De Cada Dia - Gabriel O Pensador

Mais um dia de trabalho querido diário
Eu ralo feito otário e ganho menos do que eu valho
Mas necessito de salário que é bem menos que o necessário
Hoje os rodoviários tão em greve por melhores honorários
E eu procuro um que me leve
Eu tenho horário
Não posso chegar atrasado não posso ser descontado
Se eu falar que foi greve meu chefe pode ficar desconfiado
E se o desgraçado quiser me dar um pé na bunda eu vou
pro olho da rua e rapidinho ele arruma outro pobre coitado
Desempregado desesperado é que mais tem (olha o ônibus!!) Hein?
Já vem lotado gente pra cacete vidro quebrado
(Foi piquete) motorista com um porrete do lado
Ele furou a greve porque também teme ficar desempregado
Deixar seu filho desamparado
Quem sabe ser despejado do barraco
(E o aluguel lá no morro também já ta puxado
Eu nem sei se eu tô sendo otário ou esperto
Eu tô aqui mas também tô torcendo pra greve dar certo)

Eu fico calado porque eu também tô preocupado
O meu salário até o fim do mês já ta contado e o meu
moleque tá todo gripado
Se eu tiver um imprevisto eu vou ter que comprar
remédio
Num sei como é que eu faço
Eu num sô médico
Se precisar eu vou ter que pedir um vale na batalha
Como um esfomeado pede uma migalha
E o canalha lá pode até negar e aí vai ser pior
Porque o meu único ganha-pão é esse meu suor

Preciso do pão de cada dia e num sô filho do padeiro
Então preciso do dinheiro

Eu tô no meu carro
Me olho no espelho...
Eu acho hilário
Eles acham que eu num trabalho só porque eu sou um
"empresário"
Meus funcionários devem achar que eu sou um porco
mercenário
Mas eu num sô nenhum milionário
Pra ser mais claro eu tô num mato sem cachorro
Se eu corro o bicho pega
Se eu fico o bicho come
Pra quem vou pedir socorro?
Chapolim? Super-homem?
As despesas me consomem
Os lucros são poucos e ainda tenho que pagar meus
homens e zelar pelo meu nome
Que Sufoco! O governo num ajuda
Empréstimo de banco nem pensar!
Sem contar faculdade dos filhos pra pagar
Eles pensam que eu sou marajá!! (Num dá?)
Não vai dar "Insensível você diz" mas é impossível eu
te aumentar "impossível te fazer feliz"
Eu nunca quis ver meus empregados cansados com fome
Mas o aumento tá negado
Agora some que eu tô ocupado no telefone
Eu não sou Raul Pelegrini
Essas coisas me deprimem e tal "Mas é que eu tenho que
manter a minha fama de mau"
Durão afinal eu sou o patrão
Não posso ser sentimental
Porque eu não tenho dinheiro de sobra
Talvez tenha que demitir mão de obra com urgência
Eu não consigo dormir
Não consigo superar a concorrência
Não sei se eu vou infartar ou se eu vou à falência

Refrão

(Melhor do que dar um peixe a um homem é ensiná-lo a
pescar)
Então em ensina onde eu pesco grana porque peixe só
tem se comprar
Tem que pagar pra comer
Tem que pagar pra dormir
Tem que pagar pra beber pra esquecer e até pra morrer
tem que ter pois vão te pedir (dinheiro) pro enterro
(dinheiro) pro caixão (dinheiro) pro velório
(dinheiro) pro sermão
Também é caro parir
Pagaram pr'eu entrar e eu rezo pra num sair daqui
E eu tenho que me cuidar porque o dinheiro mesmo pode
interferir no nosso destino
Fazer o sino tocar
Influenciar qualquer menino a nos matar
Você não sabe o que é capaz de fazer por dinheiro
alguém que não tem nada a perder e vê a TV do mundo
inteiro mostrar tudo o que há pra se ganhar pra quem
está no fundo do poço
O único caminho é pro alto nem que seja por cima do
seu cadáver
Moço
Eu vejo isso o tempo inteiro
Eu sou coveiro (sério?)
Sem mistério
No cemitério é onde eu cavo o meu pouco dinheiro
Eu sou importante Deus ta de prova
A todo instante ele me manda gente e eu sempre abrindo
as covas
Até hoje eu não sei se ele me perdoou do dia em que eu
mexi naquele defunto cheio de dente de ouro
Dei uma de dentista e deixei o rosto do corpo todo
torto
Mas é que eu ganho muito pouco
Aliás eu num tenho nem onde cair morto

Refrão

Eu sou PM
Não pense que é fácil
Tem que ser malandro pra viver se arriscando rondando
pra cima e pra baixo
Na corda bamba
Posso tombar na próxima curva e minha mullher em casa
estraga as unhas com medo de ser viúva
E os meus nervos também não são de aço
Meu caráter muito menos por isso eu sempre faço meus
cambalachos
Com o tráfico eu já tô mancomunado
Quando eu não tô dormindo ou tô trincando ou
extorquindo os viciados
Eu fico rindo e o bolso do uniforme fica inchado
Hí!Hí! Um cafezinho aqui!
Uma cervejinha ali (tô ligado)
Rá! Eu sei que eu não presto!
Meu colega diz (cê tá exagerando...) Ah você que é
muito honesto!
Detesto lição de moral cê devia fazer igual e abusar
da autoridade
Esse é o único poder que essa droga de sociedade me dá
o prazer de sentir o gostinho
Não tô nem aí se você prefere bancar o policial
bonzinho
Perfeito
Mas vou continuar do meu jeito
Não sou super herói
E pimenta nos olhos dos outros não dói
E assim como o rato rói a roupa do rei de Roma eu vou
roendo grana
O poder me corrói
Tá me corrompendo e a soma vai crescendo (Manda!)
Morrer é o que num posso mas quanto aos negócios fica
frio...
Enquanto houver crime no Rio eu num volto pra casa de
bolso vazio

Refrão

E eu sou o dinheiro
Todos me amam todos me querem todos adoram sentir meu
cheiro
Mas eu não sou democrático
Eu sou ingrato
Quem mais produz riqueza é quem tem menos na mesa
Que chato
Pra quem me controla a carne sobra no prato
Enquanto outros não me conhecem e comem rato
É fato real
Rato sem sal
Saiu no jornal
Eu sou imundo
Que tal?
Eu sou o grande culpado nesse mundo tão desigual
E gero o preconceito social: Quem me tem vive bem quem
num tem passa mal (sera?)
Loto
Jogo do bicho
Cês sonham comigo o tempo inteiro
O capitalismo é que nem Silvio Santos (Oi Tudo por
dinheiro!)
É que vocês pensam pequeno
Vocês são um bicho muito ingênuo
O que parece ser o antídoto pode ser o próprio veneno
E o que parece essencial talvez seja supérfulo
E o que cês sonham encontra lá longe tão perto!
A felicidade é uma muleta e vocês são todos mancos
Ela não cabe numa maleta
Não cabe no cofre
Não cabe em bancos
Qualquer que seja a profissão que você exerça
Não deixe que a sua (fixação) por Tio Patinhas lhe
suba a cabeça
Vocês humanos estão cegos
Me supervalorizam demais
Cada vez mais
A cada segundo que passa
Deixam seu mundo em constante ameaça me pondo acima de
Deus e o diabo
Desse jeito eu acabo com a sua raça.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!