Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

05 setembro 2011

Sobre um Encontro Real


Qual a possibilidade de um real encontro entre eu e você, qual a possibilidade da ocorrência de um encontro visceral, profundo, um encontro que ultrapasse as inseguras e conflitantes barreiras da imagem, um encontro que se dê na amorosa e agregadora esfera do Ser que nos faz ser, se um de nós encontra-se resistentemente fixo num silencioso e por vezes inconsciente esforço para não afundar no fétido e lodoso pântano das imagens, conhecimentos, posturas, achismos e conceitos, todos extraídos da experiência de terceiros? Como pode ocorrer um real encontro, um encontro que traz consigo o frescor nutritivo da originalidade, se um de nós se matem no limitante comportamento copista, num comportamento de segunda mão? É possível que ocorra um real encontro?
Talvez seja interessante falar um pouco sobre o que sinto ser um encontro real. Pode haver um encontro quando precisamos parar para pensar naquilo que vamos dizer, se precisamos estar atentos na medição de nosso uso das palavras, medição esta resultante da preocupação de que não ocorra um risco em nosso conhecido e tão acariciado melindre? O que seria um real encontro? Seria um encontro um ajuntamento momentâneo onde nossos assuntos não ultrapassam os conhecidos limites das trivialidades de nosso cotidiano, dos nossos acontecimentos profissionais ou caseiros, um ajuntamento onde não falamos nem sequer por um segundo sobre o conteúdo real de nossos sentimentos, inseguranças, nossa falta de sentido, ou sobre nossas descobertas interiores? Sem este tipo de abordagem, se faz possível algo que possa ser merecedor da palavra “encontro”?
Sinto que o verdadeiro encontro só pode acontecer quando não mais se fazem presentes o “eu” e o “você”. Isso só é possível quando ambos baixamos nossas guardas, abandonamos nossas imagens, nossas protegidas máscaras, quando abandonamos estas imagens que encobrem nossa real natureza, nosso real estado de ser, que protegemos desde a nossa mais tenra idade, desde os primórdios de nossa existência. Somente quando a defesa das múltiplas imagens que carregamos a nossa respeito é deixada de lado, somente quando não mais existe nem “eu” e nem “você”, quando não mais existem duas “pessoas” se relacionando é que podemos testemunhar da realidade de um encontro, um encontro em que as palavras nem se fazem necessárias, pois tal encontro é tão nutritivo feito um grande banquete, um banquete onde desfrutamos das deliciosas e nutritivas especiarias do Ser que nos faz ser.
É natural que tenhamos esse medo infantil diante de um encontro real, encontro este cuja essência é a verdadeira intimidade. Desde criança somos sistematicamente educados, formatados, adestrados, amestrados, para fugir de qualquer expressão de intimidade. Quem poderia afirmar que nunca ouviu a expressão, ou mesmo algo parecido com: “Roupa suja se lava em casa?” Foi através desta e de tantas outras frases de impacto que todos nós fomos impedidos de conhecer a real intimidade, aquela intimidade que não tem como ser confundida com o caráter de sexualidade. Através destas frases castradoras é que passamos a sentir que o real conteúdo de nosso interior, é algo que é sujo, algo que não pode vir a tona, algo que deve ser mantido em compartimentos fortemente lacrados. Assim, no mantemos num constante uso de defesas e ataques para não expressar, a nós mesmos e aos outros, nosso real estado de ser, nossa real natureza. Não fomos educados para falar sobre nosso mundo interior, aliás, fizeram questão de nos fragmentar com a idéia de mundo exterior e mundo interior. Não fomos educados, não fomos incentivados em ver como natural, o compartilhar de nossa realidade interna, com suas emoções, sentimentos e pensamentos. Fomos formatados para tão manter nosso olhar somente no externo, somente nos limites dos pensamentos de terceiros, nas palavras e nas imagens. Não fomos incentivados a nos manter no "Aberto", a ver tudo e a todos como se fosse sempre pela primeira vez. Não fomos ensinados, incentivados, para juntos, em silêncio, naquele silêncio que cria a real intimidade e que faz aflorar nosso real estado de ser, vivenciarmos de forma direta, essa divina experiência que nos liberta de toda ilusão de separatividade, dessa ilusão que dá vida a um “eu” e a um “você”. Fomos educados, ensinados a dar mais valor as imagens e as palavras e não a exposição, não ao comungar de nossa real natureza, de nosso real estado de ser. Nosso real estado de ser, nossa real natureza, de acordo com nossa nefasta educação cultural, deve ser abafada atrás de rápidos sorrisos amarelos sempre acompanhados por nossas coleções de “tudo bem!” Graças a nossa cultura, graças a nossa educação que, sem a nossa devida consciência, nos afastamos e continuamos cada vez mais a nos distanciar de nosso real estado de ser.
Como dizia Plotino, o antigo filósofo, desde criança nos fizeram mergulhar fundo nesse fétido pântano lodoso das imagens e conceitos. Nos mergulharam tão profundamente, que, ao dele sairmos, toda nossa real natureza se encontrava oculta sobre a grossa camada de lama. Os fortes raios solares da nefasta cultura, da religião, da tradição parental, fizeram com que essa lama secasse sobre nossa real natureza, fazendo com que nos identificássemos como sendo essa lama a nossa real natureza e, em vista disso, com unhas e dentes, passássemos a protegê-la de possíveis toque externos que pudessem criar, ao menos uma trinca, por onde a luz de nossa real natureza se fizesse notada. O mais interessante é que por anos e anos, sempre estivemos nesse tipo de confronto, onde, com as mesmas unhas e dentes, agora mais afiadas pelas grossas lixas da razão e do intelecto, tentamos arrancar as mesmas casas de lama que ao “outro” encobrem. Queremos defender nossas máscaras, mas, não medimos esforços para desmascarar aos outros. Quando nos permitimos esse insano comportamento, adiamos a grande possibilidade da auto-descoberta, da descoberta de nossa real natureza. Com isso, também perdemos a benéfica oportunidade de um encontro realmente nutritivo, um encontro cuja essência está no Ser que nos faz ser. Um encontro real é o encontro onde entramos “limpos”, limpos dessa pesada crosta de lama que a tudo suja, que a tudo contamina.
Não fomos ensinados, não fomos incentivados a externar o nosso filme, ao contrário, fomos educados para nos proteger na tentativa de “queimar o filme dos outros”, ou então, na passividade estagnante que nos mantém sempre assistindo e repetindo o filme e a novela de terceiros. Fomos ensinados a manter a nossa boca fechada no que diz respeito a nossa real natureza, e, mantê-la agressivamente aberta, quando a respeito da vida de terceiros. A maior tristeza de uma existência sem vida, está em passar neste mundo sem nunca ter a coragem de revelar a beleza de nossa real natureza. O real encontro só pode existir quando abrimos mão de toda forma de proteção de nossas imagens, quando abrimos mão de nosso medo de sermos rejeitados por aquilo que somos, pelo medo de sermos rejeitados quando ousamos compartilhar de nosso estado real de ser. No entanto, somente quando corremos este risco, somente quando ousamos expor nossa real natureza, é que um real encontro acontece e, quando isso acontece, sem que percebamos, ambos crescemos em maturidade, compaixão e amor, amor este que é a essência da aceitação de tudo que É.

Nelson Jonas Ramos de Oliveira

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!