Minha querida Deca, espero que você esteja vivendo bons momentos nesta tarde fria de segunda-feira. Pensei em lhe escrever para compartilhar um pouco dos sentimentos presentes neste exato momento. Como você bem sabe, pelo fato de meu pai ter sido operado e a Ida estar afastada para poder lhe dar o devido suporte, vejo-me preso nesta loja, a qual, há muito tempo já não tem nada a ver com meu projeto inicial. Para todos os lados, para todas as prateleiras que vejo, não há como me ver espelhado e meu sentimento diante da situação é a de ser como um corpo estranho que precisa ser eliminado.
Mesmo os poucos artigos que restaram de nosso projeto inicial, - os incensos, CDs de meditação e relaxamento, as quinquilharias do modismo esotérico e os livros voltados para o autoconhecimento e religião -, perderam totalmente o seu sentido e nada mais importam para mim.
Ficar atrás deste balcão na expectativa da entrada da primeira cliente, acarreta-me um peso duplo. Primeiro por sentir que as horas do dia vão passando sem nada de interessante que realmente toque o meu intimo. E segundo que, se essa cliente esperada aparecer, não sinto o menor entusiasmo em lhe vender produtos que nada significam para mim. Sinto que no quesito "profissão", ainda não encontrei meu lugar.
Sabe, segundo o dicionário "Aurélio", a palavra "profissão", além do sentido primário de ser um meio de subsistência remunerado resultante do exercício de um trabalho, de um ofício, traz em si um significado que condiz com aquilo que sinto com toda a propriedade do meu ser:
o ato ou efeito de professar, a declaração ou confissão pública de uma crença, sentimento, opinião ou modo de ser, uma atividade ou ocupação especializada, e que supõe determinado preparo.
Sinto que, seu primeiro significado relaciona-se com um modo de "sub-existência", ou seja, algo a ser praticado por aqueles que se conformam – ou se quer tenha consciência de apenas "sub-existir". Aqui, atrás deste balcão, não sinto o menor desejo de "professar", uma vez que não creio na necessidade de nada disto (já não tenho mais o menor apreço pela moda, adornos e caprichos passageiros). Depois que compreendi o poder coercitivo da moda e a falácia do que lhe impulsiona (a necessidade de ostentar, conquistar ou manter uma determinada posição social), tornou-se muito desgastante a tentativa de pelo uso de palavras me esforçar para colocar ainda mais "vendas" sobre os olhos daqueles que se achegam por aqui. Não dá mais para "xavecar" as pessoas numa boa, ou seja, já não dá para ser patife. Já não dá para ser um "vende+dor" em busca de novas "técnicas de vendas"... Sem falar que, no mundo da moda, nada existe de original: tudo é cópia e repetição; todo mundo copia todo mundo e, em conseqüência, todos são de segunda mão. Aceitar compactuar disso de bom grado, para mim significa o mesmo que me corro praticando "o poder do agora"mper, ou seja, falsear aquilo que tenho como verdade . Enquanto lhe escrevo isto, minha mente tenta me convencer de que isso é "normal", uma vez que grande parte das pessoas compactua desse modo de ser. Mas lhe pergunto: como viver em paz com isso quando se tem essa dicotomia do ser, essa enorme distancia entre o que diz a mente e o que sente o coração?
No entanto, por mais simples que seja minha existência, a mesma tem seus custos...
Então, surge a questão: onde e como professar o que sinto e o que sou, sem a necessidade de me corromper , tendo garantidas as necessidades da minha já simplificada existência?... Essa é uma questão que sinceramente não quero em mim calar... Sinto que a qualidade da minha existência depende do encontro pessoal direto com esta resposta. Enquanto isso, praticando "o poder do agora", procuro "cortar a existência em pedacinhos mastigáveis"...
Só por agora, por ainda me encontrar com vendas, continuo trabalhando em vendas, professando minha boa vontade de a qualquer momento poder professar aquilo pelo qual fui convocado a existir. E, enquanto vivendo na esperança, aguardo a vinda da resposta salvadora. Até lá, o melhor mesmo é estudar a minha dor para que a mesma não se transforme em re-volta.
Um beijo em seu coração!
JR
PS - Velho e novo testamento, Kardek, Trigueirinho, Jung, Freud. Emmet Fox, Eva Pierrakos, Huberto Rohden. Anselm Grün , Paul Bruton, Thomas Merton. Tao, Buda, Yogananda, Aurobindo, Joseph Campebell. Nietzsche, Eckhart Tolle, Osho, Krishnamurti... Só por este instante, nada importam para mim, estes diversos nomes na estante.
Meu sentimento sobre a busca de respostas...