Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

02 abril 2008

Um jeito Polyana de ser

A tarde já estava chegando ao seu fim quando me lembrei do vencimento do aluguel de nossa casa. Apressado, dirigi-me para a imobiliária que por sorte, ainda encontrava-se aberta, com sua proprietária e uma das corretoras conversando à beira da calçada diante da mesma.

- Boa noite, Eunice! Desculpe-me o atraso, mas só agora me lembrei que hoje é o dia do vencimento do meu aluguel.

- Tudo bem! Ainda está em tempo! Você deu sorte de estarmos a espera de um cliente, caso contrário, já não estaríamos mais aqui.

- Tudo bem com vocês?

- Por aqui tudo bem!... Tenho lido seus textos...

- Fico contente! O que tem achado?

- Alguns são bastante difíceis, só mesmo com um bom dicionário ao lado. Tem palavras que você usa que nunca tinha lido muito menos ouvido falar.

- Sério?

- Sim!

- Pois não é minha intenção torná-los difíceis. Mas deixando de lado o uso das palavras, o que tem sentido quanto ao espírito que as movimenta? Tem gerado boas reflexões?

- Às vezes... Sabe, eu não costumo ver a vida pelo mesmo ponto de vista que você.

- Isso é muito bom, afinal de contas, um ponto de vista é apenas um ponto.

- Se me permite, acho que o modo como você vê a vida é muito dolorosa. É preciso ver o lado belo das coisas, senão a vida se torna insuportável. Pensando bem, na real, acho que não tenho problemas, sou uma pessoa de bem com a vida. O único problema que tenho são os outros...

- Sei!... Você é mais uma daquelas pessoas que sofre de "outrose"?

- Que diacho é isso?

- A patologia de achar que os problemas estão sempre no comportamento dos outros...

- Não é bem assim, deixe de ser oito ou oitenta, também sou um ser humano em construção. Caminho do meio, JR, caminho do meio!... Falando em caminho do meio, já ouviu falar do "Caminho da Luz"?

- Já!

- Acho que agora nas minhas férias vou fazê-lo sozinha! Penso que será muito bom caminhar vários e vários dias para refrescar as idéias, reciclar muita coisa e colocá-las em seus devidos lugares. O que acha?

- Acho uma idéia excelente... Excelente para quem a inventou, bem como para os comerciantes do percurso. Com certeza, eles devem ter refrescado bem as próprias contas... Creio que nada disso seja necessário para meditar no modo em que estamos levando a nossa vida. Faço isso todos os dias durante uma hora, bem em frente de casa, sentado à sombra da pequena pitangueira. Se quer saber o que penso a respeito do modismo desses caminhos, de uma procurada num dos textos que escrevi sobre os mesmos.

- Sério?

- Sim. Procure lá pelo Blog, com certeza irá encontrar.

- Pode ter certeza de que vou procurar. Aqui está o seu recibo...

- Etá IPTU salgado! Quase quarenta reais por aquele espaço é um verdadeiro assalto.

- Fazer o que? É imposto, né?

- Estou cheio dessas imposições governamentais, bem como as sociais. Destas últimas estou conseguindo me livrar, agora, quanto as primeiras, não tem como.

- Sabe, li seu texto de ontem.

- Qual deles?

- Sobre a Benfazeja Presença.

- E o que achou?

- Você realmente estava sentindo aquilo que está escrito lá?

- Sim!.. Sentimentos do presente instante que já se fez passado... Por que essa pergunta? Se assustou?

- Não!

- É que, aqui entre nós, ouve períodos em minha vida em que também me sentia assim, só que nunca soube descrever do modo como você o fez... Mas isso já é passado! Como disse, hoje estou de bem com a vida!

- Sei!... Está tão de bem que pretende entregar seu corpo ao martírio de caminhar 45 dias para procurar por luz... Tudo bem, deixa prá lá, não quero ser invasivo. Quanto ao texto, quem já provou a doçura do mel não tem como se contentar somente com pão azimo...

- Você é muito sério! Apesar disso, indiquei seu blog para um amigo do interior de Minas que está tendo sérios problemas com questões relativas ao passado e ao presente.

- De que região ele é?

- Não sei ao certo, só sei que é uma região próxima da cidade de São Thomé das Letras.

- Conheço bem essa região... Ouve um tempo em que acreditei que certos lugares são carregados de uma energia especial, capaz de facilitar a alteração dos estados de consciência... Algo parecido com o que se busca nesses "caminhos de luz". Mas, sou como a cobra: deixo para traz as peles que já não me servem mais! Sabe, perguntei o que achava dos textos por que tenho constatado um fato interessante: algumas pessoas ao lerem os meus textos acabam fazendo uma imagem minha, como uma pessoa altamente depressiva, amargurada e insensível, o que para mim não é verdade. Vejo também que as palavras, tédio, insatisfação e vazio, para a grande maioria destas pessoas, estão altamente ligadas a depressão, o que não tem nada a ver. Para mim, constatar a falta de sentido das várias situações que nos cercam é uma atitude dotada de inteligência e não depressão. Já tentei explicar isso para algumas dessas pessoas, mas, as mesmas não conseguem acessar isso.

- Entendo.

- Tenho percebido que muitas dessas pessoas adotam uma postura diante dos acontecimentos do tipo Polyana. A "negação" tem um forte poder dentro da sociedade e a meu ver ela é um dos maiores fatores desencadeantes de um modo de vida medíocre.

- Explique-se melhor!

- Percebo que as pessoas não querem se deparar com "o que é", com a realidade nua e crua dos acontecimentos em que estão envolvidas, pois isso implicaria em escolhas responsáveis, em mudanças, em quebras de zonas de conforto. Então, torna-se muito mais fácil e convidativo, procurar decorar a própria prisão. Todos temos um forte impulso para nos mantermos na normose e a melhor desculpa para isso está naquela frase de "otimismo em gotas": "procure ver o lado bom das coisas". Isso para mim é o mesmo que dizer: "conforme-se, fique quieto e não encha o saco!" É preciso ter muito cuidado porque a epidemia de conformose, com certeza mata muito mais e de forma mais silenciosa que os atuais surtos de dengue espalhados pelo país. Com certeza, logo logo teremos cura para a dengue, mas não creio que o mesmo ocorra com o conformismo e a normose.

- Nesse ponto você tem razão: as pessoas não estão nem um pouco a fim de pensar! Tem gente que se parar para pensar, com certeza, acaba enlouquecendo.

- Vejo que são essas mesmas pessoas que, ao se depararem com alguém aberto para "o que é", em busca do real, acabam por rotular essa alguém como depressivo, amargo, rancoroso, invejoso, frustrado e por ai vai... Já ouvi cada absurdo que não tem tamanho! No entanto, não creio que esse tipo de atitude Polyana possa levar a pessoa a ter uma experiência direta da verdade, a ter verdadeiros, autênticos e genuínos relacionamentos e uma vida dotada de real sentido.

- Mas penso que esta atitude não pode ser chamada de Polyana.

- O mundo do faz de conta que está tudo bem... O mundo do faz de conta que somos felizes... O mundo do faz de conta que sabemos o que é o amor... O mundo do faz de contas de que agora seremos felizes para sempre... Não!... Não está tudo bem, não estou feliz e não sei o que é o amor. Penso que partir deste ponto é um grande começo! Creio ser muito mais maduro e saudável do que ficar com esse mentalismo barato que em nada tem melhorado a qualidade de vida da raça humana. O que mais vejo são as pessoas vivendo uma infeliz felicidade dentro de suas prisões decoradas compradas em várias prestações. Penso que todo mundo tem direito de passar a vida contando historinhas para si mesmo. Confesso que eu mesmo já fiz isso por muito tempo. Só que quando chega a hora da verdade... Tudo vai pelo chão feito castelo na areia. A verdade é infinitamente mais poderosa do que um tsunami.

- Está vendo? Isso que eu acho difícil em você: a seriedade com que você olha as coisas. Tem que ser mais leve!

- Sabe, gosto muito de uma frase de Gandhi: "A verdade é dura e cortante como um diamante... Mas também é doce como a flor de pessegueiro". Penso ser mais coerente manter um olhar duro, cortante, afiado como um poderoso bisturi capaz de extirpar de vez as grossas camadas de condicionamentos que nos mantém presos nessa mesmice. Bem, nossa prosa está muito boa, mas, vejo que você ainda tem outro cliente para atender. Quem sabe, terminarei esta nossa conversa num dos meus textos. Você se importa?

- Claro que não!

- Então, muito bem! Tenha uma ótima noite e muito obrigado pela sua resposta franca à minha pergunta.

- Não por isso. Foi um prazer. Dê um abraço na senhora sua mãe.

- Será dado! Até mais!

Eram quase 19:00 horas quando deixei a imobiliária e segui meu caminho iluminado pelas luzes de mercúrio e os faróis dos carros dos motoristas estressados.

A ESTRADA

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!